quinta-feira, 16 de maio de 2024

MUNDO FÁLICO

 




Sozinha na cafeteria da livraria ela manuseia com habilidade o celular e começa a se exibir na câmara. Desliza leve e suavemente uma das mãos nos cabelos, faz poses ao virar de ladinho na busca do melhor ângulo, sorrir, ergue o rosto com “sex appeal” exibindo uma discreta sensualidade e faz o biquinho com a boca. Eu percebo um ar de felicidade ao vê-la se admirando na porta de entrada do mundo virtual. Depois, começa digitar rapidamente um texto. 


Eu me pergunto: para quem ela se exibe? Será que é para um amado amante ou somente para postar no Instagram? 


De repente, movimenta até a boca aquela garrafinha de água que virou moda. Parece que as garotas não saem mais de casa sem esse acessório da compulsão por hidratação. Na verdade, eu sinto um incômodo quando as vejo segurando e sugando a água toda hora agarradas das garrafas personalizadas. Eu meu pergunto: o que Freud pensaria ao ver nesses lugares e nas academias as esculpidas mulheres pousando para redes sociais de posse desses símbolos fálicos. Eu lembro que no meu tempo de Marinha as garotas que visitavam a Escola Naval eram atraídas para tirar fotos segurando firmemente os canos dos velhos e resistentes canhões do forte.


Depois de levantar da cadeira, fez de conta que não me viu e foi em direção ao caixa. A mesa ficou vazia, e de repente, senta outra mais jovem segurando uma outra garrafinha cor de rosa. Começa igualmente a mexer no celular. Na direita, vejo uma outra a conversar de vídeo no celular. A garçonete chega com uma água, ela tira da bolsa uma garrafa cilíndrica de metal e despeja o líquido. Prefere beber na garrafinha do que no copo. Será que o hábito é um gatilho condicionado da fase oral da criança? 


Aí exergo adiante um casal sentado e ambos atentos no celular. E eu fico a observar esse ambiente e simultaneamente escrevo este texto. 


A impressão que tenho que o mundo virtual se tornou a primeira ou segunda vida de muita gente. No Instagram todos são felizes, bonitos e ricos. Quem sabe que para escapar de alguma da dor ou da solidão da alma cria-se na mente o mundo que se deseja e se faz um perfil nas redes sociais de uma vida feliz. Sacam fotos ao lado de carros de luxo, em restaurantes chiques, em paisagens belíssimas e postam frases de efeito para atrair seguidores e admiradores. Assim, são felizes no autoengano. Já que quase tudo na internet é fake, torna-se um fake de si mesmo. A auto exibição nas redes sociais é uma forma de não sentir o vazio existencial que nos assola. É uma forma de alimentar uma ilusão para transcender a medíocre vida da cruel realidade.


Nunca mais vou ver a primeira mulher da garrafinha que com elegância e leve sensualidade se exibiu cultuando a si mesma. Não deve ser casada, se fosse não estaria aspergindo o charme nas redes sociais. É provável que estaria no trabalho ou cuidando da casa ou dos filhos enfadada de sexo sem fetiches e ainda ter que aturar o fardo do marido desatento que nem cuida de levantar a tampa da privada quando vai mijar. Talvez segurar e sugar a água na garrafinha seja mais prazeroso do que o insosso canhão do marido.


Francisco Caminha é escritor

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