domingo, 10 de janeiro de 2021

Artigo de Leonardo de Araújo e Mota - O FUTURO do POPULISMO e a COVID em 2021

 

Fonte: Google


As tensões do século XXI iniciaram com a queda das Torres Gêmeas em Nova Iorque e a consequente “guerra ao terror”, mas a crise financeira de 2008 representou um divisor de águas na globalização acirrando as contradições do capitalismo em nível mundial. Se os índices de desigualdades sociais já eram preocupantes, houve um recrudescimento dessas condições em diversos países. A soberania econômica de vários países já havia se tornado frágil ao longo das últimas décadas, mas o colapso do sistema financeiro internacional conduziu a uma situação ainda mais adversa para os Estados-nações.

Por consequência, na medida em que as democracias liberais dependem de bases econômicas minimamente estáveis para sedimentar sua legitimidade, a crise econômica mundial solapou seus alicerces. De forma análoga ao que ocorreu nos anos subsequentes à Depressão de 1929, a crise de 2008 abriu espaço tanto para a eleição de líderes populistas, abrindo espaço para “democracias iliberais”. Em grande medida, tais regimes não se comprometem em conciliar crescimento econômico com liberdades democráticas e respeito aos direitos humanos e costumam utilizar uma narrativa pujante que propõe soluções simplistas para problemas complexos angariando forte adesão popular.



Para essas lideranças, o povo é compreendido em um nível emotivo, daí seu desprezo por instituições impessoais como órgãos de fiscalização e controle, universidades, centros de pesquisa, jornalismo profissional etc. O não-povo - em outros termos seus opositores - é considerado uma espécie de luz demoníaca, ou seja, um contingente de cidadãos em estado de conspiração permanente. O populismo insufla em seus apoiadores uma imaginação moralista da política, um modo de perceber o mundo político que coloca um povo moralmente puro e plenamente unido contra “elites” que são consideradas corruptas ou “moralmente inferiores”.

A retórica populista inviabiliza qualquer análise complexa em bases racionais de vários conflitos sociopolíticos como exclusão, pobreza, desemprego, corrupção etc., empobrecendo o debate público e privilegiando a fala do líder acima de qualquer outra avaliação. A verdade para os populistas não existe enquanto um bem público e compartilhado. A ideia da verdade como um empreendimento coletivo é considerada uma ilusão ideológica ancorada em interpretações político-partidárias da realidade. A busca pela verdade, assim, corresponde em reafirmar uma “verdade popular” contra as mentiras da “elite”.



Os populistas utilizam categorias como “elites” para classificar seus opositores; não necessariamente grupos mais favorecidos economicamente. O desprezo pelo jornalismo profissional, a negação de evidências científicas e a disseminação do ódio na era das fake news é prática comum entre eles. Nessa conjuntura, a comunicação livre de intermediações que a Internet e as redes sociais pareciam anunciar como um novo mundo de compartilhamento de conhecimento transformou-se em uma realidade preocupante. Entender o funcionamento dessa indústria de notícias falsas e os algoritmos por detrás delas é essencial para compreender a avalanche de obscurantismo e manipulação que atinge boa parte do mundo na atualidade.

Ao desprezar evidências científicas quando essas vão de encontro às convicções do líder e seus seguidores, cria-se um sério problema, pois a ciência para atingir seus objetivos precisa analisar várias hipóteses para chegar a uma conclusão, fato que é incompatível com a retórica simplista dos populistas. Para além dos efeitos da “guerra ao terror” protagonizadas pelos EUA no Oriente Médio e da crise financeira de 2008 que lançou várias economias em recessão, eis que uma pandemia atinge o planeta justamente dentro desse cenário de desinformação alucinada, tornando um fenômeno que, já grave em termos sanitários e econômicos, transformou-se em uma aberração política e social.



As recentes aglomerações verificadas em vários locais no Brasil durante a passagem das festas de fim de ano não são apenas o resultado de uma população por natureza “indisciplinada” e com pouco “espírito público”. É impossível negar tais traços sócio históricos uma vez que a cidadania por aqui sempre foi precária, mas desprezar a lógica obscurantista e irracional do ideário do populismo “autorizando” tais práticas não pode ser desconsiderada. Os debates em torno das consequências da pandemia, de suas controvérsias políticas e sociais nos mais variados aspectos ainda está distante de cessar colocando todos nós em um estado de constante incerteza.

Segundo Guillermo O’Donnell, a democracia sempre projeta, ao mesmo tempo, um cenário de otimismo e insatisfação. Algumas delas são mais individualistas, outras mais comunais. Democracias também são influenciadas por aspectos culturais e religiosos, algumas têm instituições mais fortes, enquanto outras ainda são de baixa qualidade, porém qualquer uma delas é superior a regimes autoritários e irracionais. Eis aqui o grande desafio para 2021.


Leonardo de Araújo e Mota

Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

Professor Adjunto da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

E-mail: la-mota@uol.com.br




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