segunda-feira, 31 de maio de 2021

Amaudson Ximenes: A Colômbia do BMX e dos conflitos sócio-políticos

 



O meu interesse pela Colômbia coincide com o meu retorno ao BMX, um esporte que pratiquei quando era adolescente. Vinte e oito anos depois fiz o meu retorno, participando de competições locais, regionais, nacionais e internacionais. Dos países da América do Sul, a Colômbia é o mais organizado. Possui diversos equipamentos, políticas públicas voltadas ao setor (bicicletas, mobilidade urbana) e quatro medalhas olímpicas, duas de bronze e duas de ouro, desde que se tornou um esporte olímpico em 2008. Esse final de semana (29 e 30 de maio) promove uma etapa da Copa do Mundo da modalidade na cidade Bogotá. 

Entretanto, não é de BMX que me reportarei no texto, e sim das manifestações que ocorrem naquele país a partir de dia 28 de abril de 2021. O motivo inicial do levante foi uma proposta de reforma administrativa do governo que criava novos impostos e aumentava contas de água, luz, gás, atingindo sobretudo as classes média e baixa, com o intuito de conter os prejuízos e desequilíbrios causados pela pandemia do covid-19. Mesmo tendo recuado e demitido o Ministro da Fazenda, as manifestações não cessaram. O povo continua nas ruas por mais de trinta dias. A reforma era apenas a ponta do iceberg. Confrontos entre a população e as policias tem sido uma constante, bem como prisões, mortes e estupros de jovens. Cerca de 50 pessoas morreram nos conflitos e dezenas estão desaparecidos.  
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Os protestos só crescem. Regiões e cidades inteiras foram bloqueadas. Os manifestantes levantaram postos de vigilância e barricadas. A polícia responde com violência. Organismos internacionais têm voltado suas atenções para a Colômbia, apontando que as ações policiais tem sido de desproporcionais, uma vez que a munição, os instrumentos utilizados pelas corporações são letais, enquanto a população se utiliza de paus, pedras e as redes sociais para denunciar a violência e os abusos praticados pelo braço armado do governo do Iván Duque. 

Segundo Angela Mañunga-Arroyo, professora e ativista dos Direitos Humanos, “...menos 26% da juventude colombiana, principalmente a indígena, não tem emprego, 90% da população vive com menos de um salário mínimo, 80% da população preta está em uma condição de pobreza sem acesso à saúde, à educação, sem rede hospitalar, morando na periferia, sem acesso a água e eletricidade....”. “...Com a chegada da pandemia, essas questões se aprofundam. Tem muita fome. O pessoal só tem sobrevivido por conta da solidariedade das comunidades. A população negra e indígena tem necessidade de sair para a rua para procurar emprego ou, na informalidade do comércio, conseguir alimento para os filhos, conseguir sobreviver. A gente tem ajuda do estado, mas elas não dão conta da grande dimensão da pobreza, fome e precarização da vida da população...” relata Arroyo. 

Além disso, somente 3.5% da população foi vacinada. Em 2020, 42,5% de sua população vivia em condição de pobreza monetária e com 15,1% em pobreza monetária extrema. 
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A violência e o narcotráfico integram o cotidiano do povo colombiano. Mesmo com a assinatura do acordo de paz de 2016, cerca de 1.100 defensores e defensoras dos direitos humanos desapareceram, segundo entidades ligadas aos Direitos. As zonas que antes eram dominadas pelas FARC-EP encontram-se em disputa por parte de milícias armadas, que almejam interesses econômicos (narcotráfico e mineração ilegal) exercem controle sobre a população civil.

Diante do exposto, percebe-se uma discrepância entre as classes sociais naquele pais. Um segmento diminuto vive confortavelmente enquanto uma parcela significativa padece e ver sua situação piorar em consequência da pandemia do covid-19. Um país que consegue realizar uma Copa do Mundo de BMX em plena pandemia e envolto em conflitos sociais crônicos demonstra como é desigual e contraditória a realidade social da Colômbia. Essa é a América latina!

Amaudson Ximenes Veras Mendonça é sociólogo




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